domingo, 9 de maio de 2010

Noite de sexta

Ela queria o silêncio. Queria paz. A sensação de estar na chuva, ensopada. Era um ato de rebeldia. Estar ali, na chuva, a arriscar a saúde. Precisava de pequenos atos de transgressão. Precisava dizer a si mesma que seguia o coração. O que era o coração? Uma vontade. Vontade de ir embora quando lhe desse na cabeça. Vontade de desaparecer quando pudesse.
Entrou no carro, deu partida. Poderia se despedir de tudo, só para ter a sensação de melancolia dos que vão embora. Não, não é melancolia. Os que partem transgridem. São eles que carregam em si o mistério de não se adequarem àquele lugar, àquela gente. Queria sair sem rumo. O problema é que não sabia caminho nenhum. Ou seria solução? Era madrugada. A beira do mar fazia parte do roteiro para ir pra casa. Poderia parar um pouco, caminhar, respirar. Ficar em silêncio.
Precisava de silêncio.
Escreveu pra ele. Sabia da resposta mas o fez mesmo assim. Não haveria resposta. Isso seria tudo.
"É impossível".
Pensou, riscou, reescreveu. Temou pelas consequencias. Quis que ficasse em aberto. Impossível. De tudo que poderia lhe acontecer, haveria o que nunca faria parte do cotidiano. Ela não era daquelas pessoas que confiam no acaso e se soltam no mundo das possiblidades. A menina precisava da concretude para se segurar. Era frágil. Do tipo que adoecia por dentro. Frágil, que se escondia dos outros. Bancava outra coisa, outra versão. Mas era isso.
O possível seria a transgressão. A rebeldia. O contra. O inesperado. O impossível. oras. O contrário estava tão ali, tão perto. E nem continha o charme fútil dos que comparam ódio a amor. Apaixonados são sempre pequenos. Afinal, não se precisa de muito quando se vive sob paixão. Quanto menor, mais aconchego. Aí ficam eles, só neles. Sós.
Não se pode ser jovem por toda a vida. Ele não lhe diria nunca. Ele não lhe diria: nunca. Tatibitate. Tantas vezes, o óbvio é o que assusta. Por isso, damos a interpretar para ver se há algo mais no que nos parece tão pouco ou um nada tão seco. Que escrevesse ela para si mesma. Que repetisse e decorasse. E não se desdissesse desta vez.
Parou o carro. Jogou o papel fora. Queria um sorvete mas era madrugada, era madrugada. Não desceu. Não foi até a rua. Chorou um pouco. Deveria sempre chover nessas horas.

Um comentário:

  1. Ô menina, essa menina é vc né!? muito claro quando se refere a "ela". A vida é feita desses tipos de dias...Chuvosos. É pra crescer, é pra viver mesmo.

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