segunda-feira, 22 de junho de 2009

trecho 1

“Ou como diria Zenão: por que é tão difícil fugir da própria sombra?”
(Vita Brevis, de Josteim Gaarder)

A gente pode fugir do que quer que seja, menos de nós mesmos. Sempre retornamos, de uma maneira ou de outra. Sabe a pedra que afunda e arrasta junto para o chão do mar? Uma grande amiga foi organizar o guarda-roupa. Um grande amigo veio de férias ao Recife. E ele nem se apercebe de férias.

Ela me devolveu dois livros, emprestados a uma colega de colégio, e um antigo diário, de quanto eu tinha 11 anos e o mundo nas mãos. Quem me dera ter a auto-estima daquela época. Em que espelho eu me via? Tão segura, tão decidida, tão certa de mim mesma. Aos 11 anos. E depois, me perdi? Nas fotos das viagens do colégio, eu nem apareço. Porque eu odiava sair em fotos. Me achava feia, horrorosa, bochechuda e com cara de idiota. Só tirava foto de paisagem. Meus pais pensaram que era invencionice minha, esquisitice. Minhas amigas acreditavam que era porque eu queria ser artista. Nada, me achava feia e só. E não queria ter raiva depois. Sem lembrar que usei aparelho. Com os álbuns nas mãos, lembrei das fotos que eu tirei. Nem nas máquinas dos outros eu suportava ter meu rosto registrado.
Vou guardar o diário. Vai ver eu era mais mulher aos 11 que a que me tornei aos 25. Queria conversar com aquela menina. Pedir desculpa por não ter me tornado médica, por ter perdido metade da coragem. Explicar à menina do diário de quando eu tinha oito anos que não deu para virar a militante rainha de passeatas. Me distraí no caminho. O mundo era mais palpável que agora.

E os livros? Megera Domada e Vita Brevis. Nem precisa dizer nada. Datam de 2000. Posso lembrar exatamente do sentimento de quando lia cada uma das duas obras. Onde estava. Ela também me entregou um artigo antigo da faculdade. Minha amiga sequer imagina a quantidade de pendências trazidas de uma só vez. Feito a chuva de hoje. Tão bonita, tão intensa. Deixou a avenida toda escura, sem luz. Aos 11 anos, eu teria pego velas para brincar a noite inteira e só reclamaria dos mosquitos.

O “isso foi” cheio de esperança das fotos, da nostalgia acalentadora, de mãos suaves donas do aviso: “isso passa, tudo passa”.
Daqui a cinco anos? Vou lembrar da chuva de hoje?

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