domingo, 27 de setembro de 2009

Kley e a gente


Há quase um mês, paguei a hospedagem completa num albergue em Porto de Galinhas. Minha e de uma amiga. Fizemos vários planos, preparamos trilha sonora pra estrada, ensaiamos até abrir espumante pra recepcionar uma outra amiga.


Aí Kley teve uma parada respiratória. Vi um atropelamento de uma criança pelo carro da frente. O menino correu na avenida do nada. Minha irmã desesperada e eu sem reação. Kley é internado. O carro, deixado na frente de casa por causa de tristeza, quase arrombado. Saio da oficina, bato numa moto. Minha mãe lembra dos sonhos da semana e deixo Porto somente pro domingo. Despacho Marilia pra lá. De choro, basta o meu. Ou choro por ela, ou por Kley. Por dois, é muito. E é melhor chorar na frente do mar que na frente da parede branca do quarto dela.


Fico em casa. Sem graça, abraçada nas gatas, triste. Sorte que tenho amigos. Muitos, maravilhosos. Anjos. Todos com carinho para dar numa hora que poderia ser banal para tanta gente. Era só um cachorrinho, já velho, já cego, já feio. Com mau cheiro. Que usava fralda descartável e acordava a casa toda todas as madrugadas.


Só que era Kley. Ele corria atrás de galinhas, corria para não apanhar dos gatos. Levou susto de sapo cururu. Achava que era um pastor alemão. Derrubava as roupas da minha mãe no chão quando ela não estava em casa. E tinha ciúme das mulheres da família.


Kley me salvou de namorar um carinha que estava nem aí pra mim. Uniu-se a Marilia e expulsou o dito cujo aos latidos agudos dele. Kley chegou numa caixa aqui em casa, amarelado, cor de caramelo, fofo. Dia 30 de agosto de 1993. Quarenta dias depois de nascer. Ele só gostava de ração de gato, fã de peito de galinha e chocolate. Fugia de casa apaixonado pelas cachorrinha da esquina. Tinha bigode bem tosado, em homenagem ao meu pai.


Kley era especial. Querido pelos meus amigos, pelos meus tios. Minha avó, que nem de bicho gosta, chorou. Ele foi tão doce que esperou minha mãe viajar pra poder partir. Pra poupá-la.
Kley, você foi pro céu dos cachorrinhos. Encontrar seu pai, Ícaro, sua mãe, Fada, e seus irmãos. Você foi levar alegria e bagunça pra lá. Arranjar umas namoradas e comer bem muito filé de peito de frango grelhado. A gente levou pra você na clínica, mas você queria o do céu, que era mais gostoso. Obrigada, meu cachorrinho, obrigada por tudo. Como disse ontem ao me despedir: todos nós amamos muito você.

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