- Alô, senhora Mariana Maciel?
- Alô.
- Ligamos porque recebemos sua opinião sobre nossos produtos. A senhora poderia explicar melhor?
- Posso sim. É que deveria ter mais variedade de bombons e chocolates, semana passada faltou sete belo e chocolate surpresa e biscoito são luiz de chocolate também.
- Muito obrigada pela sua opinião, senhora Mariana. Estamos à disposição.
Isso aconteceu há quase vinte anos, mas poderia ter sido ontem. Ou não. Afinal, já tenho anos nas costas de terapia cognitiva e uns seis meses de análise freudiana. Porém, uma vez chata, sempre, eternamente, prazeirosamente, chata.
Ser chato é uma arte. Quantos bilhetes escrevi naquele supermercado até ligarem para minha casa? Vários! Por semanas. Ser chato é ser um persistente. Um guerreiro. É quase um ato de heroísmo, ainda mais em tempos de gente cheia de fru frus e não sei quês, em que toda menina tem cara de boneca e a maior moda é ser legal - a história de ter atitude ficou pra trás, viu! Aviso logo!
Para chegar no meu nível de chatice, foi preciso muito esforço. Quantas vezes meus foras soaram incompreensíveis e caí no ridículo? Quantas vezes reclamei na fila e estava enganada? Aí, bem, era um gasto de energia. Ombos travados. Ser implicante dá um trabalho. Enorme, imenso, incomensurável (tem palavra mais chata que incomensurável? só nexo, creio).
Comecei a deixar pra lá. Ri da gracinha do garçom que falou que a lagarta estava no meu prato porque era vegetariana e gostava de alface tanto quanto eu. Deixei pra lá quando deram em cima de namorado meu na minha frente, só me retirei para não passar constrangimento. Comecei a tirar por menos, por menos, por menos.
Mas peraí - aturar surfista que ama natureza montar barraca em local de desova de tartaruga marinha?
Foi demais pra mim. Liberei a chata novamente.