sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Porque eu não gosto de parque temático

Eu não sei ser estrangeira. Ser de outro lugar no lugar do outro. Não sei ter cabelos pintados e curtos em lugar de gente que não sente nem frio. Não sei falar no diminutivo quando todos marcam os erres da língua. E falam arran para lembrar que disseram sim. Não é o sim que me incomoda. É a lembrança recorrente de que sou de fora. Me pulverizem entre si, me esmiucem e joguem feito pó sobre vocês. Mas, não, não me façam sentir que sou de fora. Sou feito peixe. Preciso ficar dentro da água. A areia é branca mas é seca e não me deixa respirar. Quero ser gente. Quero ser igual. Feito pó que sempre é do mesmo jeito. Dá um trabalho tão grande separar um pó do outro que só quem tem somente isso da vida pra fazer faz. Me abraça no escuro e me deixa calada. Pra eu voltar pra um lugar que possa ser meu e que possa me ter. Preciso que me tenham. Ser de algo, de alguém, de algum lugar. Pra ganhar chão. Eu não sei ser estrangeira. ´

Só sei ficar misturada, não identificável, sem ser percebida, sem ser notada. Escondida. Intocada. Reclusa. Eremita. Mas, me abraça no escuro. Pra eu ser tua só um pouco.

domingo, 24 de janeiro de 2010

pra nao perder a ideia

Estava com oitenta anos e resolveu que precisava espairecer da vida. Fugir do mundo. De ser adolescente uma vez. Poderia ser a ùltima ou a ùnica. Era preciso. Acertado. Necessàrio. Pontual. No horàrio certo. Afinal.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Sonhos muito intranquilos

Havia uma geladeira dessas de loja, branca. Na metade do meu lado, colorido - feito chicletes que vendem em vidros de moeda - dos filmes de Pluto e Mickey e de locadoras de fita (ou DVDs, como queiram). Do dela, preto e branco, quase em tons de cinza, na verdade. Ela usava pérolas escuras no pescoço. Uma amiga em comum totalmente não identificável nos apresentou.
Tanto eu quanto ela estávamos em busca de algum doce maravilhoso de chocolate. Alguma felicidade momentânea, intensa, verdadeira e que não daria chance para não se realizar.
- Você gosta muito da palavra fada, não é?
- É, é verdade. Gosto porque me lembra isso, isso e aquilo.
- A mim também. Vamos marcar um café pra conversar?
- Claro! Mas tem que ser até sexta, porque vou viajar e ficar fora do mundo por uns dias.
- Vamos nos falar até lá.
Era ela. A Lispector. Pra tomar café comigo. Não, eu não iria. Que poderia lhe dizer?

Certa noite acordei de sonhos esquisitos

Ela estava com olhos já vermelhos de praia, vinho e sono. Parecia afoita e parecia responsável. Um misto típico das meninas um tanto quanto certinhas que beberam um pouco além da conta. Uns dez anos mais nova. De férias. De brincadeira.
Sabia o caminho. Passou na frente de onde ela estava. Onde se hospedou quando chegou ali pela primeira vez. Sabia o caminho. Onde terminava. Como começava. Ela caminhava à noite em busca de mais. Nem que fosse mais uma caminhada para relaxar e dormir.
Ele sabia o caminho. Onde começava. Como terminava. Que ficasse por ali.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Dei uma de enxerida

http://blogs.diariodepernambuco.com.br/alvorocadas/?p=217#comments

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Infatuation

Não sei se são os cabelos assanhados. Os olhos que não dizem muito. Quase caídos. Um tanto esnobes. Um ar blasé que poucos homens possuem. A fala pausada, mastigada. O ar gentil e indiferente. Como pode haver gentileza na indiferença? Questão de prática, deve ser. O ar de menino que lê livros. Ou será que é por causa dos óculos escuros. Da voz?
Paixão não se explica.
Será a voz pausada ou os óculos escuros ou o ar blasé? A muralha que não me deixa ver se você sente o que diz ou o que faz?
(Paixonite por Alex Turner, quando ele está no The Last Shadow Puppets)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A menina nasceu bem menina. Do tipo que dá chiliquinhos, gosta de enfeitos e chora se não for tudo rosa ou lilás. Passou a gostar de vermelho aos 16 anos. Depois da fase negra dos 15. Era mulherzinha. Mesmo depois da ausência dos salões de cabelo, do ano que passou a usar ela mesma as tesouras. A cortas calças e ser contra capitalismo. Até que descobriu que com o capitalismo se sentia melhor. A culpa foi embora com o tempo. E bem, já estava na hora de se assumir. M-E-N-I-N-A. Com seus romantismos e fricotes. Laçarotes e borbados. Seguia pela rua, sacolas à mão, poucas ideias na cabeça.
Ah, que seria da vida sem sarcasmo? Mulher bem cuidada e inteligente fica chata de tão perfeita. Deixa nossa menina ser um pouco burra. Deixa ela brincar de ser oca.
Vai que lhe oferecem um recheio melhor? Às vezes, o superficial é tão mais honesto e sincero que os queixumes do mundo. A lista de feira, o sofrimento da mulher que tinge a sobrancelha ao lado com seus filhos irrequietos.
Mais vestidos para nossa menina. Que ela seja um pouco menos ela nesses dias.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ai, moçoilas

Há de se viver e de se morrer sempre. Tão clichê. É que, às vezes, a gente esquece o óbvio. Feito a moça que esqueceu o amor porque se feriu. Achava, a pobre, que estava num conto de fadas e que, no máximo, tiraria uma cochilada feito aquela outra lá que furou o dedo na roca. Se bem que, sabe-se lá que roca foi. Bem, ela se feriu. Virou triste.

Aí descobriu que tristeza não serve para nada. É de uma chatice sem fim. Nem dá dó. Só irritação. Era mais conveniente ser alegre. Mais educado, pois então.

Saiu a contar arco-íris e a inventar felicidades. Mas, amor, amor. Esquecia como era. O mais famoso e curioso - desses de paixão, de choro, de grito, de pulo, de bilhetes. Arranjou mais o que fazer entre jardins, gatos, muita gente (e não uma só). Amor? Vinho, creme de cassis, livros e música - um pouco de jazz.

Será que ela esquecia porque estava ali dentro dela? A gente esquece do óbvio. Muitas vezes.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Doçura

(Foi nem o filme, já visto)

Moço, tem como não. História de gente que completa gente. E pessoa lá é quebra-cabeça? E se fosse assim, seria melhor misturado. Bagunçado. Para sempre ficar com pedra que falta, peça que não encaixa.
Não, meu senhor, para que você quer se encaixar? Vai se cansar. E vai precisar se gastar mais ainda para se perder e depois se meter a se achar de novo. Moço, o senhor já está encaixado. É, nisso tudo. Para que mais? Dá preguiça. Sim, preguiça é bom. Mas, demais, dá enfado.
Esta conversa me dá tédio. Vai lá e diz pra ela, logo. Despeja tudo feito rio em maré. Ou ela se afoga, ou lhe engole feito esfinge.
E quando houver um sentido, uma direção, um caminho, vocês atravessam de mãos dadas. A vida acontece e vocês se perguntam ou ela se pergunta ou você se pergunta.
É agora ou não?
De para sempre, meu caro, só o instável. Só o instável é o contínuo. O eterno. Se não fosse, assim, no caos, era só morte.
Mas é vida. A vida. Sempre. Bruxa. Mulher sem razão. Homem sem freios. Criança sem crueldade. É a vida, meu senhor. Aceite, vá, entenda, não.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Indecência

Ela andava por aí, com tudo de fora. Tudo que pensava, dizia. Tudo que pensava, fazia. Moça sem filtro. C0m os medos ali, na palma da mão, pra todo mundo ver. Colocava muita maquiagem pra ver se disfarçava. Estava tudo ali. O vazio também.

Se tudo estava do lado de fora, que fazer com o que precisava se guardar por dentro? Não havia mais nada do lado de dentro. Um oco, só. Não era feito o que Blimunda poderia ver, lá nas coisas de Saramago. Ela falava demais, contava demais, se apaixonava demais. Tanto e tanto, que muitas vezes era só silêncio e sentimento de nada.

De nada.

Não somos assim todos nós. Não somos assim todos nós?

Desejos

- Ei, menina! O que você quer em 2010?
- Ser entrevista.
- Por quê? Pra quê?
- Pra dar respostas, né?
- E precisa de entrevista pra isso?
- É nada. É pra mentir!
- Pra quê, menina?
- Pra ser outra, outra menina, outra vida. Inventar qualquer coisa e dar resposta sem cabimento.
- Pra quê?
- Pra dar susto.
- De quê?
- De gente. Querer ser gente.
- Pra que tudo isso, menina?
- Porque é preciso se explicar, é preciso se dizer, é preciso se explicar.
- Explicar o quê?
- Que a gente existe. Pra poder dar razão pro que a gente existe.